domingo, 18 de julho de 2010

A menina e seu monstro interior

Havia uma menina que descobrira na escuridão das dores, seu monstro interior.Bela, não tão fascinante e perfeita, mas com a forma exata do rosto a se tornar alguém bonito. Ela constantemente se fitava frente ao espelho, e mirando adentro de seus olhos, parecia procurar algo além do reflexo. Era sempre tão doloroso que dessa experiência diária, lhe restassem apenas, mais e mais perguntas. Quando R. se entranhava dentro do banheiro, quase sempre pelas noites solitárias que ela passava na companhia de si mesma, a primeira coisa que fazia era dar duas voltas na tranca da fechadura. Depois ligava o chuveiro, vaporizando o ar. Assim, desnudava-se –dando pouca atenção pro espelho- e acariciava seus braços como num abraço eterno de saudade. A esse ponto o espelho já podia vê-se totalmente embaçado, e levemente, com a mão, R. fazia um circulo para que pudesse atentamente, olhar para seu rosto no infinito. Olhos, olhando em toda direção, que na verdade só fitavam para frente, mas levavam R. a todo e qualquer lugar. Em poucos segundos, a visão já não podia distinguir pupilas e cores, tampouco as machas que a menina carregava nos olhos, mas a cabeça via algo muito além: ia revelando-se frente a si mesma, sua escuridão interior, e logo, logo, R. via apenas uma luz iluminando sua face, enquanto todo banheiro estava em breu.
Segundo após segundo seu rosto ia envelhecendo, essa é a única definição que R. saberia dar ao que via, já que a visão que confundia-se frente ao reflexo via o incodificável. R. via um monstro, um monstro interior, que nas horas de solidão se revelara a ela no centro de seu palco particular, com olhos embaçados, porém languidos de tristeza, notórios de uma dramaticidade familiar. E ali ficava, segundos agonizantes de tortura, a se espelhar no modelo mais inóspito de beleza, na mais horrenda criatura de si mesma, na mais triste visão de seu mundo. E quando, os olhos, interpretando as lágrimas da realidade dos braços que já sentiam o frio do mundo real, do banheiro que lutava contra o vapor d’água, R. olhava ao chão. E no mesmo momento, soltava a toalha que se envolvia para correr a tempo de se resgatar do tempo, da cruel monstruosidade. Adentrava o banho, de água fervente, e prostrava-se ao chão em posição fetal. Letal. Só mesmo sentir-se envolta de si, aconchegada em uma quentura infinita poderia matar o monstro que consumia seu olhar. R. tinha encontrado a fórmula de assassinar seu monstro interior. Bastava alimentar suas lembranças de calor.

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